13 de abril de 2023
Rio de Janeiro, 11 de abril de 2023
O penedo gnáissico com quase 400 m de altura, que se impõe exuberante na boca da Baía do Rio de Janeiro foi, desde os primórdios do século XVI, marco para os navegantes que percorriam o litoral do Brasil. Por sua forma peculiar, semelhante aos recipientes de barro cônicos usados para acondicionar o açúcar produzido nos engenhos, recebeu o nome Pão de Açúcar. Foi aos seus pés que no dia 1º de março de 1565 foi fundada a cidade do Rio de Janeiro e ao seu redor que os portugueses expulsaram os Tupinambá de suas terras imemoriais da Guanabara. Por suas histórias, lendas e paisagem inigualável, o Pão de Açucar representa o principal símbolo de nossa cidade e, porque não dizer, do país, sendo seu valor patrimonial inquestionável.
Em 1973, o conjunto do Pão de Açúcar e do Morro da Urca foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o que deveria protegê-lo de qualquer mutilação ou degradação de sua paisagem. Em 2006, tornou-se uma unidade de conservação municipal, denominada de Monumento Natural do Pão de Açúcar e do Morro da Urca e, em 2012, foi fator preponderante para a que a UNESCO reconhecesse o Rio de Janeiro como Patrimônio Mundial, na tipologia Paisagem Cultural. O Pão de Açúcar constitui também um dos geossítios reconhecidos pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), sendo tratado no primeiro volume do livro Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil (https://sigep.eco.br/sitio067/sitio067.htm) como o “Cartão Postal Geológico do Brasil”. Recentemente, o Pão de Açúcar foi reconhecido pela União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) como um dos 100 geossítios de maior relevância do planeta.
A integridade do nosso mais importante cartão postal está ameaçada por um projeto de autoria do escritório de arquitetura Índio da Costa AUDT, que apresentou ao IPHAN novo “Plano Diretor” de ocupação do Pão de Açúcar, que prevê acréscimo de mais de 50% em relação à área atualmente ocupada. A expansão das edificações no topo do morro, com uma volumetria desproporcional e usos totalmente incompatíveis com aquele local, constitui um enorme risco no que se refere à degradação paisagística e natural do conjunto do Pão de Açúcar. Essas intervenções, no entanto, não foram iniciadas. O que atualmente provoca imensa polêmica e reações negativas de diversas entidades da sociedade civil organizada é a obra em andamento da Multitirolesa, que ligará o Pão de Açúcar e o Morro da Urca em quatro linhas paralelas, com previsão de mais de 1.000 clientes por dia.
Tivesse o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ´(MPRJ) condições, hoje, tal como preconizado na sua página https://www.mprj.mp.br/ de “defender os interesses sociais e individuais indisponíveis”, funcionando efetivamente na “defesa da sociedade e comprometido com a defesa da cidadania, em especial no que tange a defesa do meio ambiente e do patrimônio público”, não estaríamos convivendo com uma polêmica carente de argumentos científicos que cercam, particularmente em relação à Geologia, a construção ou não da tirolesa no Pão de Açúcar e no Morro da Urca.
Estivessem as Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente e da Ordem Urbanística do MPRJ, representando a instituição autônoma e independente, dispostas a “defender o meio ambiente de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida” (https://www.mprj.mp.br/,) há muito já se havia instaurado um inquérito civil para tratar dos deveres de preservação do Pão de Açúcar para as gerações presentes e futuras, e impedir eventuais imposições desmedidas do poder econômico privado apoiadas em interesses da Administração Municipal em exercício.
Houvesse um Centro de Apoio Operacional a estas promotorias, e ainda melhor, um Grupo de Apoio Técnico (GAT), em condições técnicas de auxiliar a atividade do Promotor no estímulo à apresentação de documentos consistentes por parte da Prefeitura, das empresas privadas e das entidades envolvidas, e na convocação para a discussão dos representantes das faculdades e escolas de Geologia das três universidades públicas (e portanto, independentes) que existem no Estado Rio de Janeiro, não estaríamos acompanhando a proliferação de laudos e posicionamentos técnicos conflitantes, produzidos por profissionais e órgãos públicos classificados genericamente como “especialistas”.
Sim, porque o que conseguem, tanto o Relatório Técnico GPHI-PJ166-RT-010-22-002-R0, da empresa GEOPHI Engenharia, como a breve Nota da empresa GEOESTRUTURAL Consultoria e Projetos Ltda., preparada em resposta à carta do Grupo Ação Ecológica (GAE), e também o Parecer da Fundação Instituto de Geotécnica (Geo-Rio), é repassar à sociedade, com todo o respeito aos colegas que os assinam, a quase certeza de que os profissionais não defendem o conhecimento geológico acumulado sobre os impactos ambientais das obras no Pão de Açúcar, mas sim, e na verdade, que os “especialistas” refletem a “Voz do Dono”, ou seja, “usam a informação geológica de acordo com o que desejam aqueles que os acionaram”. A APG-RJ, como representante dos geólogos no Estado do Rio de Janeiro, solicita ao MPRJ a instauração de uma ação civil pública para detalhamento, em especial, dos riscos geológicos associados à construção ou não da tirolesa no Pão de Açúcar, ação esta que deverá ir direto ao cerne do problema: 1. Qual é a tipologia e a frequência dos processos geológicos destrutivos que afetam as encostas do Pão de Açúcar? 2. Que tipos de intervenções de estabilização foram executadas, e porquê, nas encostas do Pão de Açúcar desde a sua construção? 3. Quais são as causas naturais e antrópicas dos processos destrutivos ocorridos? 4. Quais são os mecanismos de ruptura desses processos destrutivos? E por fim, e mais importante, 5. Há, ou não, risco associado ao deslizamento de lascas rochosas para e devido à obra da tirolesa?
DIRETORIA DA APG-RJ